Nesse funil que é o mercado de trabalho, é vital
ter um diferencial. Algo que os demais concorrentes não têm e que, muitas vezes,
nem mesmo o candidato sabe que tem. Caso de um amigo meu, o Edgar, que ganha a
vida como "modelo digital". Não, nada a ver com a internet. O Edgar passou anos
amargando o fato de não possuir um diferencial, até descobrir, por acaso, que
tinha dedos perfeitos. São dele alguns desses dedos que a gente vê em close nos
anúncios, segurando um cartão de crédito ou apertando as teclas de um celular.
O que não era o caso da Luana. A Luana já tinha preenchido centenas de fichas de
solicitação de emprego na vida, e nada acontecia. Porque lhe faltava um
diferencial. Ela não se diferenciava pelo currículo acadêmico, nem por algum
conhecimento técnico específico, nem pela fluência em algum idioma, nem por
nada. Era até bonitinha, é verdade, mas não a ponto de considerar isso "um
diferencial".
Um dia, recomendada por uma colega, a Luana foi tentar mais uma vez. Chegou ao
escritório e lá, de imediato, deram-lhe páginas e mais páginas de formulários
para preencher. Ela nunca tinha visto tanta pergunta, mas respondeu tudo, o mais
rápido possível. Quando terminou, o Waldir, funcionário do setor de
recrutamento, agradeceu a Luana por ter vindo, mas explicou, com sinceridade,
que as chances dela eram remotas: de cada 100 candidatos que preenchiam fichas,
só um era chamado para uma entrevista. E, mesmo assim, de cada dez
entrevistados, apenas um era contratado. Aquele que tinha -- o que mais? -- um
diferencial. Ou seja, fazendo uma conta simples, a possibilidade de ela ser
contratada era uma em 1 000.
Por isso, a Luana quase caiu das pernas quando, já no dia seguinte, não apenas
foi chamada para uma entrevista, mas contratada no ato. E seu primeiro dia no
novo emprego foi uma experiência inesquecível. O Waldir a apresentou a todos os
diretores e gerentes do escritório, um povo caloroso e receptivo. E quase todos
destacaram a importância de alguém, como a Luana, ter um diferencial. A Luana, é
claro, agradeceu as boas-vindas, elogiou o ambiente de trabalho e prometeu que
daria o melhor de si, mas não conseguiu entender qual era o diferencial de que
aquela gente tanto estava falando.
Até que, lá pelas 5 da tarde, a Luana resolveu ir tirar a dúvida com o próprio
Waldir. Foi à sala dele, pediu licença, entrou, sentou e, antes que pudesse
dizer qualquer coisa, o Waldir propôs:
-- Luana, quem sabe a gente podia, assim, dar uma saidinha mais tarde...
-- Como é? Que história é essa?
-- Quer dizer, se você não tiver outro compromisso...
-- Waldir, eu me sinto insultada! Fique sabendo que não admito essas liberdades!
Aí, o Waldir ficou olhando para a Luana com aquela cara de quem não estava
entendendo bem. E a Luana ali, séria, encarando o Waldir com aquela cara de quem
está entendendo bem demais. Até que, após um longo silêncio, o Waldir pegou os
formulários que a Luana tinha preenchido na véspera e apontou para um parágrafo.
E a Luana finalmente descobriu a razão de tanto interesse por seu diferencial.
Na pressa, na linha pontilhada após a palavra "Sexo", ela tinha escrito: "Sim".
Max Gehringer