Querem puxar o seu tapete

Cuidado com a politicagem. Chefes e colegas podem virar seus piores inimigos

Por Mauro Silveira

 

Jorge Rys, hipertensão e 15 quilos a mais depois da fritura: 'fui demitido porque meu chefe se sentiu ameaçado pelo meu desempenho'

Um jogo silencioso está acontecendo neste exato momento dentro da sua empresa. Você pode não conhecer as regras nem saber exatamente quais são os jogadores e suas intenções, mas a verdade é que ele pode colocar em risco o seu emprego e a sua carreira. Esse jogo tem um nome: politicagem. É a famosa rede de intrigas, encabeçada por uma pessoa ou mesmo um grupo para obter vantagens pessoais e, em alguns casos, até prejudicá-lo. Trata-se de um mal crônico nas empresas. Na pesquisa para a edição de 2004 do Guia EXAME - VOCÊ S/A As Melhores Empresas para Você Trabalhar, politicagem e favoritismo aparecem como a principal fonte de insatisfação dos funcionários de todo o país.

Boa parte das boas empresas para trabalhar tem procurado combater esse problema. Fazem isso por meio, por exemplo, da avaliação 360 graus, da instalação de linha 0800 para denúncias, de comitês de ética e de cafés da manhã com altos executivos. Apesar de todo o esforço, o fato é que a política (a indispensável arte de conquistar aliados para seus projetos e estratégias) muitas vezes é confundida com politicagem assim como nos gabinetes em Brasília. "Na politicagem, há sempre três fatores presentes: status, poder e prestígio", afirma Francisco Pierroti, consultor da Mandelli Consultores Associados, de São Paulo. "Até uma simples mudança de layout do escritório pode provocar uma guerra acirrada, com as pessoas articulando estratégias para ficar com o melhor espaço ou a sala de canto."

A politicagem no ambiente de trabalho age como uma doença que mina a energia da vítima de maneira traiçoeira, sem que ela perceba seu avanço. Os ataques podem acontecer das mais variadas formas. Por exemplo:

A "fritura" é lenta e gradual

As vítimas da politicagem acabam suportando a pressão por medo de perder o emprego ou porque a politicagem é tão sutil que nem a própria pessoa tem certeza de que está sendo fritada. O engenheiro Ricardo Mansur, de 41 anos, até hoje não sabe ao certo por que perdeu o cargo de gestor de tecnologia de uma das principais tradings mundiais, onde trabalhou por 11 anos. Durante o período em que esteve na empresa, ele afirma ter desenvolvido mais de cem projetos e gerado economia da ordem de 1,5 milhão de dólares por ano. Em 2001, executou a reformulação da rede de tecnologia da empresa para prepará-la para seu novo ciclo de crescimento. E foi justamente aí que seu drama começou. "Meu chefe mudou de comportamento de uma hora para outra e até agora não entendi bem as razões para isso", diz ele. "Não me chamava mais para participar de reuniões importantes, nunca tinha tempo para me receber em sua sala, não dava feedback e me preteria na hora das premiações e na indicação para receber bônus". O jogo durou três anos, culminando com sua demissão, em janeiro. De nada adiantou ser um profissional experiente e dono de um currículo consistente, que inclui uma especialização em tecnologia de informação. "Acho que isso aconteceu porque a empresa já tinha alcançado a capacitação esperada em tecnologia de informação e eu me tornei desnecessário", diz. "Outra hipótese pode ter sido a idade, pois boa parte das empresas não gosta de quem chega aos 40." Mansur perdeu o emprego no auge da sua produtividade e potencial de ascensão. Um prejuízo que não há como ser indenizado. Aliás, as chances de uma ação para reparar perdas geradas por politicagem são mínimas, segundo a advogada Nancy Tancsik de Oliveira, do escritório Lourenço de Oliveira Advogados, de São Paulo. "Além de não existir leis nesse sentido, é difícil reunir provas que comprovem os danos ao funcionário, pois é um jogo dissimulado que acontece na maioria das vezes na esfera verbal", diz ela. Como provas, entenda e-mails, bilhetes e testemunhas que comprovem o jogo.

Um dos casos mais clássicos de fritura é o do chefe que se sente ameaçado com a alta performance de seu funcionário. Aí, sem saber lidar com o crescimento e o brilho do subordinado, sabota o profissional até conseguir tirá-lo do jogo. O executivo piracicabano Jorge Rys Júnior, de 36 anos, sabe bem o que é isso. Em 2002, ele foi contratado como gerente de mercado por uma das maiores redes de eletroeletrônicos do país. Sua meta? Reverter resultados de umas das regionais que estava no negativo. Assumiu o posto e não só conseguiu atingir os objetivos como cresceu. Tanto que, depois de quase três anos de companhia, já gerenciava 23 lojas na cidade de São Paulo. Coordenava uma equipe de 30 gerentes de loja, 400 vendedores e 200 funcionários administrativos. "Minha área era responsável por 20% do faturamento da empresa", diz Rys Júnior. Com um perfil de empreendedor, Rys criou no mesmo período um departamento de marketing direto e vendas corporativas para a empresa. Como se vê, tudo andava muito bem para o jovem executivo. Pela rádio-peão, ficou sabendo até que seu nome havia sido cotado para a diretoria regional de São Paulo, posto em aberto. No entanto, em abril deste ano, outro executivo, vindo da regional centro-oeste, virou seu chefe. Rys conta que tentou recepcioná-lo da melhor forma possível. Abriu todas as portas, repassou informações, se colocou à disposição para visitas e viagens. No entanto, assim que assumiu definitivamente o cargo, o diretor começou a detoná-lo. Visitava as lojas e dizia que tudo estava péssimo. Depois de uma das apresentações, fez o seguinte comentário: "Sua reunião é uma m... Muita tecnologia não serve para nada". Rys havia usado data show e laptop. Adepto de tecnologia, costumava andar até com uma câmera digital para registrar as visitas às lojas. As críticas e comentários não pararam, até o dia em que o diretor sugeriu que Rys saísse de férias para descansar. "Neste momento, percebi que algo estava errado. E resolvi abrir o jogo e perguntar se pretendia me demitir após as férias", conta o economista e administrador de empresas. "Ele disse que não, que nada ia mudar." Aconteceu exatamente o contrário. A razão? Outra resposta clássica: redução de custos. "Fui demitido porque incomodei meu chefe", diz Rys. Resultado do desgaste: 15 quilos a mais e hipertensão. Hoje, Rys assume que faltou-lhe um pouco de malícia. "Mas isso não mudou minha meta. Sou proativo e empreendedor, e vou continuar assim." Atualmente, o executivo está em fase final em vários processos de contratação.

Os mecanismos de defesa

Os profissionais que são vítimas de politicagem e favoritismo acabam aprendendo lições importantes e também criando mecanismos de defesa para não cair novamente em futuras armadilhas. Iracema afirma que não tolerará mais um ambiente hostil por muito tempo. Do seu processo de fritura, ela diz que aprendeu a ter mais paciência e flexibilidade com as pessoas. "Eu me entregava de corpo e alma à equipe e descobri que isso é inviável", afirma. "As pessoas são inseguras e, em determinadas situações, cruéis". Hoje, diz que procura se preservar, não se destacar tanto nem falar muito de suas qualificações. "Quando tenho novas idéias, guardo algumas cartas para apresentar na hora certa." Já Ricardo Mansur diz que aprendeu a ler nas entrelinhas, a desconfiar do que está por trás do que os colegas dizem. "Hoje eu tenho mais cuidado", afirma. "A transparência das pessoas é aquela que é possível e não a ideal." Afinal, não há emprego perfeito. "Ninguém dá a mínima para o que você sente no trabalho, portanto, equilibre-se na balança da vida e seja menos amargo", diz o consultor Jerônimo Mendes em seu livro Oh, Mundo Cãoporativo! (Ed. QualityMark). Infelizmente, "nele [no mundo corporativo] não há lugar para franqueza nem autenticidade, somente para resultados, facilmente alcançados por alguém que sorri ao lado e tem objetivos claramente definidos: conquistar o teu lugar". Mas atenção: não vire um paranóico. Perder tempo com mania de perseguição pode colocar você no olho da rua! A política é inevitável. Você precisa aprender a jogar esse jogo respeitando os seus limites.