faz ai um power point:

 

Não adianta. Reunião só tem valor se alguém lançar mão do tal programa de apresentações

 

A instrução expressa no título tornou-se uma frase comum no ambiente de trabalho. Quem passa seus dias numa grande companhia pode ter a melhor idéia do mundo. Se ela não for apresentada em PowerPoint, porém, convém desistir. O vendedor quer mostrar ao cliente as vantagens de contratar seu serviço. Se recorrer ao folder de papel para exibir seus predicados, a proposta parecerá boa. Se preferir o PowerPoint, ela ficará mais chique. O PowerPoint é hoje tão popular dentro das empresas quanto o correio eletrônico. Se há números, gráficos, raciocínios ou idéias a transmitir, pode ter certeza que lá vem ele, tão infalível quanto a necessidade de pagar imposto. Você se lembra da última reunião a que assistiu em que não havia projetor, nem telas, nem tópicos, nem frases em movimento? Pois é. O mundo dos negócios é hoje impensável sem o programa da Microsoft. O fenômeno é mais freqüente nas maiores corporações, mas as pequenas organizações não estão de fora. Calcula-se que existam 400 milhões de cópias do software rodando no mundo. No Brasil, segundo a Fundação Getulio Vargas, 94% dos usuários de computadores nas empresas lançam mão dele nas reuniões.

O PowerPoint representa a quintessência daquilo que se poderia chamar de burocracia do trabalho, já que o autor do projeto precisa desenvolvê-lo, definir a melhor forma de apresentá-lo à audiência e, por fim, colocar tudo no PowerPoint. "Pega mal não saber fazer uma boa apresentação em Power Point", afirma Reinaldo Polito, especialista em comunicação empresarial. Na Multiplan, holding que controla uma cadeia de shoppings no Brasil, nenhum dos 14 gerentes pode comparecer à reunião de balanço mensal sem um PowerPoint debaixo do braço. "Virou uma questão de status", diz Jaqueline Lopes, responsável pela área de marketing. "Eles competem para ver quem traz a melhor apresentação."

Para os que se sentem desconfortáveis diante da necessidade de conviver com o programa, surgiu até um novo tipo de especialista: o "fazedor" de apresentações. É o caso de João de Sousa, sócio da Soap, empresa paulistana dedicada ao software. Quando era consultor da Accenture, há dois anos, Sousa passava a maior parte do tempo preparando apresentações. Eram tão boas que ele chegou a ser escalado pela diretoria para trabalhar só com isso. A habilidade também foi notada pelos colegas e professores do curso de MBA em marketing que Sousa fazia. "Não demorou muito para começarem as encomendas na escola", diz. Um dia, ele resolveu cobrar pelo serviço. Com menos de um ano, a Soap já tem dez funcionários, 26 clientes e um portfólio com mais de 200 apresentações.

Inicialmente chamado Presenter, o produto foi lançado pela Bell Northern em 1987 para substituir slides, transparências e o quadro branco com pincéis coloridos. Três anos depois, Bill Gates pagou 14 milhões de dólares pelo Presenter e rebatizou-o de PowerPoint. Como resume Marcelo Toledo, gerente-geral da área de produtividade da Microsoft no Brasil, "sua vocação é apresentar". É fácil entender por que o software se popularizou. Primeiro, seus recursos sofisticados cumprem com esmero o que prometem. Segundo, não é preciso ser um especialista em design gráfico para usá-lo. Finalmente, graças ao PowerPoint, é possível esconder raciocínios tortuosos e obscuros atrás de frases esquemáticas, ilustrações esclarecedoras ou gráficos coloridos. "Estudos mostram que imagens ou tópicos ajudam a fixar a mensagem, mas é preciso saber como e quando usá-los", diz Reinaldo Passadori, também especialista em comunicação empresarial.

A busca pela tela perfeita, no entanto, pode ter conseqüências indesejáveis. "Está cheio de apresentação por aí com muito continente e pouco conteúdo", diz Renato Roberto Cuoco, vice-presidente do banco Itaú e um dos maiores especialistas brasileiros na utilização de tecnologia nas empresas. O uso exagerado das apresentações foi tema de crítica no relatório final da Nasa sobre o acidente com o ônibus espacial Columbia, ocorrido em 2003. "O uso do PowerPoint no lugar de relatórios técnicos ilustra os métodos problemáticos da comunicação interna da Nasa", afirma o relatório. É bom lembrar uma história narrada por Lou Gerstner, que comandou a IBM por quase dez anos e promoveu a virada que recentemente tirou a empresa da dificuldade financeira em que se encontrava. Numa das primeiras reuniões como presidente, na qual seria apresentado à situação do negócio da IBM, Gerstner se levantou e, educadamente, desligou o projetor de transparências que um diretor havia ligado segundos antes. "Vamos só conversar", disse ele. No fundo, é o que importa. Com ou sem PowerPoint.

Por Camila Guimarães