mentiras por escrito:

Vem se espalhando uma nova prática para conseguir emprego: "embelezar" o currículo

 

A acirrada disputa por bons empregos tem feito aumentar o nível dos profissionais. Muita gente investe em formação acadêmica ou experiências de trabalho enriquecedoras para atender às crescentes exigências das empresas. Mas há um pessoal que se especializou em outra prática: "incrementar" o currículo. As empresas de recrutamento e seleção de candidatos têm percebido essa esperteza. É uma demissão não esclarecida aqui, um exagero na fluência de um idioma ali, um acréscimo de curso não existente acolá. Tudo computado, a Fesa Global Recruiters, empresa especializada na seleção de executivos de finanças, estima que 25% dos currículos tenham algum tipo de falcatrua. "Quando entrei na empresa, há sete anos, a taxa não chegava à metade disso", diz Denys Monteiro, um dos oito sócios da Fesa.

Na Mariaca & Associates, outra empresa de seleção de executivos, até três anos atrás só havia casos isolados de currículos maquiados. Hoje, são cerca de 8%. A consultoria de recursos humanos Adecco era especializada em mão-de-obra menos qualificada. Em 2002, passou a concentrar seus serviços na contratação de executivos. Levou um susto: tem encontrado problemas em 30% dos casos. "No desespero de achar uma recolocação, muitos candidatos procuram se moldar aos requisitos da vaga", diz Rosana Figueiredo, consultora da Adecco. "Nessa hora, uma palestra é descrita como um curso, e um curso de algumas semanas vira uma pós-graduação."

A porcentagem de currículos enganosos nem está tão alta se comparada com a dos Estados Unidos. Lá, 44% dos candidatos mentem em relação ao histórico profissional, segundo um levantamento da consultoria ADP Screening and Selection Services, sediada em Colorado. "As pessoas estão aprendendo a sofisticar os currículos", diz Monteiro, da Fesa. "Com a internet e a proliferação de cursos ficou mais fácil encontrar informações que valorizem os dados profissionais."

As mentiras e as omissões vão desde as inocentes, como valorizar alguma palestra ou curso, até as graves, como exagerar resultados alcançados ou mentir sobre a formação (veja quadro). Alguns artifícios já são considerados clássicos pelos recrutadores, como o que classifica fluente em inglês qualquer candidato que algum dia abriu uma cartilha do idioma. Nesse quesito, dois episódios são freqüentes: o candidato que mente sem pudor e aquele que não especifica qual o domínio da língua, forçando o recrutador a entrar em contato. "São tentativas de chamar a atenção e passar pelo primeiro filtro da seleção", diz Monteiro, da Fesa. Normalmente, o estratagema cai por terra quando o selecionador sugere fazer uma entrevista em inglês.

A identificação de maquiagens graves dá mais trabalho. Nessa classe está o candidato que diz ser formado em administração sem nunca ter passado pela faculdade. Ou aquele que só fez matrícula num curso de pós-graduação e já se apresenta como mestre no assunto. Para manter a credibilidade, empresas de recolocação e escritórios de seleção de executivos têm tomado cuidados extras. "Até dois anos atrás nos preocupávamos apenas em checar a vida financeira do candidato", diz Danielle Sarrafa, diretora de recrutamento da Mariaca. "Hoje é preciso confirmar tudo." Uma prática que se tornou comum é pedir diplomas e certificados originais de conclusão de cursos.

Fiscalizar a formação escolar, a fluência no idioma ou os anos que o candidato passou numa empresa pode ser trabalhoso, mas não é um exercício difícil para quem está acostumado a selecionar pessoas. Alguns dados no currículo, porém, exigem um verdadeiro ritual de checagem. "Há executivos que se apresentam como responsáveis por projetos importantes e, na verdade, só tiveram uma pequena participação", diz Sofia Amaral, sócia da DM, consultoria paulista de recursos humanos. Nesse caso, é preciso ligar para ex-chefes, ex-subordinados e, às vezes, até ex-clientes.

Mesmo com todos esses cuidados, alguns currículos "criativos" acabam sendo selecionados. Foi o caso de um candidato que estava quase na fase final de seleção da Fesa. "Ele disse que tinha feito MBA em Harvard", diz Monteiro. "Por coincidência, um de nossos sócios estudou lá e começou a fazer perguntas sobre os professores." O candidato não conhecia ninguém. "Foi pego pela Lei de Murphy", diz Monteiro

Por Daniela Diniz